Sexualidade feminina e qualidade de vida

Sexualidade feminina e qualidade de vida

Data da publicação: 12/06/2012

A sexualidade é uma condição que envolve toda a vida de uma pessoa. Inicia-se na infância, sendo construída na adolescência e manifestada diferentemente nas várias etapas da fase adulta.  A Organização Mundial de Saúde reconhece a sexualidade como um dos pilares da qualidade de vida, sendo um aspecto central que perpassa por toda a vida do ser humano. Ela abrange a relação sexual, o prazer, o erotismo, a orientação sexual e a reprodução. É expressa e percebida por pensamentos, desejos, fantasias, intimidade, comportamentos, valores e relacionamentos. Todos os indivíduos têm garantido o direito à saúde sexual, definida como um estado de bem-estar emocional, físico e social relacionado à sexualidade. Mas para uma boa saúde sexual é importante uma interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Dessa forma, a qualidade da saúde sexual pode exercer uma enorme influência no bem–estar e na qualidade de vida de uma mulher.

Sabe-se que a medicina sexual teve um importante avanço nestes últimos anos, principalmente no que diz respeito à saúde sexual feminina. O novo modelo da Resposta Sexual Feminina (RSF) atualmente aceito, enfatiza a importância da intimidade emocional com o parceiro e a satisfação da própria percepção de desejo e ou necessidade sexual. O modelo é cíclico, constituído por quatro domínios: desejo, excitação, orgasmo e satisfação. No entanto, a RSF inicia-se por um estado de neutralidade sexual e não pelo desejo espontâneo. Essa informação permitiu que diversas pesquisas envolvendo a neurociência compreendessem como ocorre essa resposta. (Veja desenho)

Sabe-se que a fisiologia da resposta sexual é complexa, dinâmica e ainda não está completamente esclarecida.  Fatores anatômico, neuroendócrinos e hormonais estão envolvidos. Os principais fatores anatômicos são os órgãos genitais pélvicos (vulva, vagina e clitóris), as estruturas internas da pelve, o sistema nervoso periférico e o sistema nervoso central, incluindo principalmente o hipocampo, o hipotálamo, o sistema límbico e a área pré-óptica medial. Neuropeptídios como a serotonina, a dopamina, a noradrenalina, as melanocortinas, a ocitocina, os endocanabiontes, os opióides, o óxido nítrico e o peptídeo intestinal vasoativo são fatores neuroendócrinos. Já os esteróides sexuais, principalmente o estrogênio e a testosterona, são essenciais na resposta genital e no funcionamento normativo do ciclo.

A resposta sexual pode ser iniciada a partir de um incentivo, como a intimidade com o parceiro, a capacidade de sentir atraente ou atraída, um ambiente, uma fantasia ou um estimulo físico (beijo, toque e carícias). Ao identificar estímulos sexuais, o cérebro libera mediadores excitatórios, gerando uma resposta sexual positiva e crescente. Esses estímulos desencadeiam alterações neuroquímicas nas regiões cerebrais, liberando neuropeptídios excitatórios (dopamina, melanocotinas, noradrenalina e ocitocina) que estão vinculados às ações dos esteroides sexuais. Em seguida, ocorre a deflagração de neurotransmissores pelo sistema nervoso autônomo, o que provoca alterações físicas generalizadas no organismo, preparando-o para o ato sexual. A excitação é caracterizada  por miotomias, vaso congestão pélvica, aumento da lubrificação vaginal, maior sensibilidade cutânea, ereção dos mamilos e alteração da frequência cardíaca e pressão arterial. Os órgãos  genitais sofrem  mais transformações com a  liberação do óxido nítrico e do polipeptídio intestinal vasoativo (VPI) pelos nervos parassimpáticos. A parede vaginal fica congesta, o útero é deslocado para cima ampliando o canal vaginal e  o clitóris torna-se proeminente e mais sensível.

Quando mantido e intensificado, esse estímulo promove contrações rítmicas e involuntárias do períneo, com a liberação súbita da tensão sexual, que desencadeia o orgasmo e a liberação de mediadores inibitórios (opióides, endocanabiontes e serotonina) e promove a saciedade e a satisfação sexual.

Fatores e consequências da disfunção sexual feminina

Uma alteração anatômica, um desequilíbrio neuroendócrino ou uma diminuição dos esteróides sexuais pode levar à disfunção sexual feminina (DSF), condição prevalente que afeta milhares de mulheres em todo o mundo. Consequentemente, há um sofrimento pessoal que interfere na qualidade de vida da mulher e do casal. Em 2010, o WISHES (Women’s International Study of Health and Sexuality), avaliou milhares de mulheres entre 20 e 70 anos e constatou que 43% delas possuíam queixas sexuais, sendo a diminuição do desejo um dos distúrbio mais citados.

De acordo com o Consenso de Paris em 2004, a DSF foi definida como uma desordem persistente e recorrente no desejo/interesse sexual, na excitação subjetiva e genital, no orgasmo e/ou dor ou uma dificuldade para permitir ou completar a relação sexual. Ela foi categorizada em quatro subgrupos: disfunção do desejo, disfunção da excitação, disfunção do orgasmo e disfunção da dor sexual.

A disfunção do desejo

Corresponde ao  Distúrbio do Desejo Sexual Hipoativo (HSDD) e à Aversão Sexual. O HSDD é definido como a deficiência persistente ou recorrente ou a ausência de fantasias sexuais, pensamentos ou receptividade à atividade sexual. A mulher relata a indiferença ao interesse ou ao estímulo sexual, que não é justificada por uma condição médica, psiquiátrica ou relacionada a uso de medicação.  Por outro lado, a Aversão Sexual é persistente ou recorrente e gera fobia e repulsa de qualquer tentativa de contato sexual.

A disfunção da excitação

Incapacidade persistente ou recorrente de atingir ou manter excitação sexual suficiente. É classificada em quatro subtipos: subjetiva, genital, combinado e persistente.

  • O transtorno da excitação subjetiva é caracterizado pela ausência ou pela diminuição acentuada dos sentimentos de estimulação da excitação a partir de qualquer tipo de estímulo (beijo, carícias e fantasia), embora haja presença de lubrificação genital.
  • No transtorno da excitação genital ocorre uma diminuição ou ausência da vaso congestão vaginal e, consequentemente, da lubrificação, após qualquer tipo de estímulo sexual, seja ele físico ou mental. O órgão genital não responde ao estímulo e à motivação sexual.
  • O transtorno de excitação combinado é definido pela ausência ou diminuição da excitação sexual genital (lubrificação genital e consequente vaso congestão pélvica), juntamente com a ausência ou diminuição dos sentimentos de estimulação da excitação sexual.
  • O transtorno de excitação persistente ocorre quando sensações espontâneas e indesejáveis de excitação sexual (formigamento, dormência, congestão, lubrificação e contrações vaginais) estão presentes mesmo na ausência de pensamentos conscientes de desejo sexual e/ou de estímulo sexual.

Disfunções do orgasmo

Dificuldade persistente ou recorrente em atraso ou ausência de atingir orgasmo após suficiente estimulação sexual e excitação, causando angústia pessoal.

A disfunção da dor sexual

Destacam-se a dispareunia e o vaginismo. A dispareunia é a dor persistente ou recorrente relacionada ao ato sexual, sentida durante a penetração ou o coito. O vaginismo é caracterizado por uma contração involuntária e recorrente dos músculos perineais, principalmente do terço externo da vagina, na tentativa da penetração vaginal com pênis, dedo ou qualquer objeto.

A Medicina Sexual é um campo promissor em termos de pesquisas científicas para a criação de estratégias de abordagem da sexualidade feminina. Elas visam a prevenção e o tratamento das disfunções sexuais. O bom funcionamento dos fatores biológicos, psicológicos, como também uma boa relação conjugal contribui para um bem-estar pessoal e uma boa saúde sexual.

Dra. Fabiene Vale, médica ginecologista especialista em sexologia.