Cirurgia Bariátrica e Obesidade
A Cirurgia bariátrica tem sido procurada cada vez com mais freqüência, pois os riscos da obesidade para a saúde são vários e graves. Para que se tenha uma ideia a obesidade atinge 600 milhões de pessoas no mundo, 30 milhões somente no Brasil. Se for incluída a população com sobrepeso, esse número aumenta para 1,9 bilhões de pessoas no mundo e 95 milhões de brasileiros.
A Organização Mundial da Saúde projeta um cenário ainda pior para os próximos anos. Em 2015 essa taxa aumentou para 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões de obesos no mundo inteiro. Este crescimento é comprovado também pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica- SBCBM. Dados da entidade revelam que em 2012 foram feitas 72 mil cirurgias bariátricas; em 2013 – 80 mil; em 2014 – 88 mil; e em 2015 – 93,5 mil cirurgias.
Nessa entrevista ao Portal Medicina e Saúde os cirurgiões Luiz Gonzaga Torres Junior e Lycia Tobias de Lacerda, ambos cirurgiões da Oncad/Hospital Vila da Serra, em Belo Horizonte, falam sobre este procedimento, bem como suas indicações, legislação e avanços, entre outros aspectos.
De acordo com eles, “a cirurgia bariátrica é apenas uma das etapas do tratamento da obesidade. Este, por sua vez, deve ser realizado de forma completa e com equipe preparada e competente, de maneira a fornecer todos os cuidados necessários ao paciente. Quando o paciente veste a camisa do tratamento, o resultado é muito melhor, trazendo mais saúde, bem-estar e qualidade de vida para ele.”
Quais as principais indicações da cirurgia bariátrica?
A obesidade é avaliada, habitualmente, pelo cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). As pessoas com IMC igual ou maior que 30 kg/m² são consideradas obesas. A gravidade da obesidade aumenta proporcionalmente à elevação do IMC:
– Entre 30 e 34,9 kg/m²: Obesidade leve
– Entre 35 e 39,9 kg/m² : Obesidade grave / severa
– Igual ou maior que 40 kg/m² : Obesidade mórbida
A cirurgia bariátrica está indicada para pacientes com IMC ≥ 40 kg/m² – independentemente de comorbidades associadas, ou nos pacientes com IMC ≥ 35 kg/m² com comorbidades associadas, e que não tiveram resultado satisfatório com outros tipos de tratamentos não cirúrgicos nos últimos anos.
(Comorbidades são doenças frequentemente associadas ao quadro de obesidade, como hipertensão arterial, diabetes, esteatose hepática, cálculos em vesícula biliar, aumento do colesterol / triglicérides, problemas articulares e ortopédicos, entre outras).
Há alguma legislação que regulamenta a cirurgia bariátrica?
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 2016, no Diário Oficial da União, a Resolução n° 2.131/15, que ampliou o rol de comorbidades para indicação de cirurgia bariátrica em pacientes com índice de massa corporal entre 35kg/m² e 40 kg/m². Foram incluídas doenças como depressão, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva, infertilidade masculina e feminina, asma grave, doença do refluxo gastroesofágico, cálculos na vesícula biliar, esteatose hepática, síndrome dos ovários policísticos, incontinência urinária, entre outras.
Além das comorbidades, a Resolução também apresentou alterações na idade mínima para a realização da operação. Anteriormente, pacientes entre 16 e 18 anos podiam fazer a cirurgia, após análise da relação risco/benefício. Com a Resolução, passa a ser exigida a presença de um pediatra na equipe multidisciplinar nesses casos. Em menores de 16 anos, a cirurgia bariátrica será permitida somente em caráter experimental e dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).
Outro ponto da nova Resolução é o estabelecimento das técnicas cirúrgicas permitidas: banda gástrica ajustável, gastrectomia vertical (“sleeve”), derivação gastrojejunal em Y de Roux, e cirurgia de Scopinaro ou de ‘switch duodenal’. Qualquer outro tipo de cirurgia passou a ser considerada experimental e para ser realizada necessita de aprovação de estudo específico junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
Um marco importante no tratamento da obesidade foi a Portaria n° 5, de 31 de janeiro de 2017, que oficializou a incorporação da videolaparoscopia nos procedimentos de cirurgias bariátricas realizadas pelo SUS – Sistema Único de Saúde. Dessa forma, os pacientes da rede pública passaram a ter acesso às mesmas tecnologias já utilizadas há mais tempo na rede privada de Saúde.
Por que a necessidade de uma legislação a respeito?
A ampliação do rol de comorbidades para realização de cirurgias bariátricas teve como objetivo proporcionar um tratamento efetivo a um maior número de pacientes, trazendo melhora da qualidade de vida e redução da morbimortalidade para esse grupo de pessoas previamente excluído das indicações. No ano passado foram realizadas cerca de 100 mil cirurgias bariátricas em todo país. Desse total, apenas 10% dos procedimentos foram feitos na rede pública. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), com a realização de procedimento por via laparoscópica pelo SUS será possível ampliar o número de atendimentos na rede pública, pois a operação e a recuperação demandam menos tempo. Além disso, o procedimento menos invasivo também é considerado mais seguro para os pacientes.
Qual a faixa etária predominante de pacientes?
A obesidade mórbida acomete principalmente os adultos jovens. Isso pode ser observado, geralmente, em decorrência de mudanças negativas nos hábitos de vida, como redução dos exercícios físicos e piora das escolhas alimentares. É importante lembrar que a obesidade infanto-juvenil vem aumentando de forma alarmante, e que crianças e adolescentes obesos têm maiores chances de tornarem-se obesos mórbidos na idade adulta.
Homens ou mulheres fazem mais a cirurgia bariátrica? Por quê?
A proporção de mulheres submetida à cirurgia bariátrica é bem superior a dos homens. Isso pode ser explicado inclusive por fatores culturais. As mulheres tendem a se importar mais com a questão estética e a perda de qualidade de vida relacionadas com o aumento de peso; nos homens, a obesidade é mais “bem tolerada”, tanto em nível individual como pela sociedade. Além disso, pessoas do sexo feminino costumam ir com mais frequência a consultas médicas preventivas e a fazer exames com mais frequência, de forma a detectar precocemente a obesidade e se informar sobre as possibilidades de tratamento. Os homens tendem a procurar o tratamento quando o quadro é mais grave e já instalado há mais tempo.
Pessoas mais jovens estão fazendo a cirurgia?
Sim. Isso se deve a vários fatores, entre eles a divulgação ampla de informações por meio de redes sociais e outros meios de comunicação, principalmente junto à população mais jovem, que consome as informações com avidez. Além disso, houve progressiva redução dos riscos associados à cirurgia bariátrica e a cirurgia minimamente invasiva se tornou o “padrão ouro”, permitindo recuperação mais rápida. Com isso, vários pacientes que tinham receio de ser operados, ou que consideravam a cirurgia bariátrica como último recurso, passaram a procurar esse tipo de tratamento de forma mais precoce. Não podemos deixar de lembrar também o aumento da obesidade mórbida em crianças e adolescentes. Esses pacientes tendem a procurar o tratamento cirúrgico em uma faixa de idade inferior em relação àqueles que tornaram-se obesos após os 18 anos de idade.
Quais as principais causas da necessidade da cirurgia?
A cirurgia se torna necessária quando a obesidade se acentua a ponto de trazer riscos para a saúde e para o bem-estar físico e psicológico do paciente.
A obesidade geralmente é consequência de diversos fatores que se “somam”: fatores genéticos, ambientais / emocionais relacionados ao estilo de vida. Podemos destacar alguns mais importantes:
– Consumo excessivo de alimentos, muitas vezes ricos em calorias e pobres em nutrientes. Isso pode ser exacerbado por transtornos de compulsão alimentar.
– Sedentarismo: com a redução das atividades físicas e do gasto energético, as calorias consumidas são “estocadas” no organismo na forma de gordura.
– Genética: normalmente, pais com peso normal têm em média 10% dos filhos obesos. Quando um dos pais é obeso, 50% dos filhos certamente o serão. E, quando ambos os pais são obesos, esse número pode subir para 80%.
– Problemas hormonais podem afetar o metabolismo e levar ao ganho de peso. Na abordagem da obesidade, devem ser investigadas alterações nas glândulas tireoide, suprarrenais, entre outras. Nesses casos, as alterações hormonais devem ser tratadas antes de se pensar em cirurgia, pois muitas vezes isso é suficiente para resolver o excesso de peso.
Quais os riscos da cirurgia?
Os avanços nos últimos anos, tanto do ponto de vista anestésico/cirúrgico, quanto na questão do preparo pré-operatório, reduziram dramaticamente o índice de complicações e a mortalidade associadas à cirurgia bariátrica. As operações, que anteriormente duravam de 3h a 6h, atualmente são realizadas em 1h a 2h. Da mesma forma, o tempo de internação foi reduzido de 4-5 dias para 1-2 dias. Atualmente, a mortalidade da cirurgia bariátrica por videolaparoscopia é inferior a 0,05%, sendo comparável a procedimentos de menor porte.
No entanto, pode haver intercorrências associadas ao procedimento cirúrgico, em curto e longo prazo. As complicações pós-operatórias mais temidas e que, habitualmente, ocorrem no primeiro mês, são os sangramentos, fístulas e tromboembolismo venoso. As fístulas ocorrem quando a cicatrização dos tecidos não evolui da forma desejada e a linha de grampo ou de sutura se abre, deixando extravasar secreção digestiva dentro do abdome. Pode ser uma complicação grave e demandar, inclusive, novas intervenções cirúrgicas.
A trombose venosa é outra possibilidade. Ela consiste na formação de coágulos, geralmente nas veias dos membros inferiores. Esses coágulos podem se deslocar para o pulmão – embolia pulmonar – e afetar em graus variados a troca de oxigênio no organismo, podendo levar a óbito.
Outras complicações podem ser observadas em fases mais tardias, incluindo anemia, carências nutricionais, estenose (estreitamento) da anastomose, úlceras nas linhas de sutura, cálculos biliares, hérnias de parede abdominal, oclusão intestinal por aderências. Muitas dessas intercorrências podem ser prevenidas ou minimizadas pela manutenção do acompanhamento multidisciplinar adequado em longo prazo.
Quais as vantagens físicas e emocionais da cirurgia?
A cirurgia bariátrica tem como principais objetivos: redução do peso (se possível, até a faixa ideal), cura ou controle das comorbidades associadas à obesidade e melhora da qualidade de vida.
O tratamento cirúrgico da obesidade promove a saúde, pois tem papel comprovado no controle de diversas comorbidades, como hipertensão, diabetes e dislipidemia (alteração no colesterol / triglicérides) mesmo antes de se atingir o peso ideal. Em geral, os pacientes deixam de tomar muitos dos medicamentos que anteriormente utilizavam. Além disso, a perda de peso não significa “somente” uns quilos a menos na balança e ganho de saúde.
Ela promove uma mudança completa na vida das pessoas. Simples rotinas como amarrar os sapatos, cruzar as pernas ou passar na roleta do ônibus tornam-se grandes desafios ou até mesmo constrangimentos para os pacientes obesos mórbidos. A cirurgia bariátrica e a consequente perda de peso permitem que as pessoas ganhem qualidade de vida, estímulo para continuar mudando e, também, que possam se ressocializar. Adultos jovens recuperam a autoconfiança e o amor próprio, frequentemente minados pela obesidade, e começam a sair para festas, são elogiados e voltam a namorar. Portanto, as vantagens físicas e psicológicas do tratamento são inúmeras.
Quais os principais avanços cirúrgicos?
Um dos principais avanços cirúrgicos foi o estabelecimento da cirurgia minimamente invasiva como “padrão ouro” do tratamento da obesidade. Hoje em dia, na rede privada, a maioria dos casos é feita por videolaparoscopia. Recentemente, no hospital Vila da Serra foi instalado o primeiro sistema de cirurgia robótica de Minas Gerais. Portanto, já é possível aqui a realização da cirurgia bariátrica com tecnologia de ponta, semelhante a utilizada nos serviços de referência em todo o mundo.
Entramos na era da cirurgia robótica. Nesse contexto, as operações são realizadas pelo cirurgião, com auxilio de braços robóticos, que proporcionam maior precisão e destreza no procedimento. Somando-se isso à melhoria da qualidade da imagem (3D) proporcionada pelo sistema robótico, podemos realizar procedimentos de forma ainda mais segura. Nos pacientes super obesos (IMC maior que 50) e nas cirurgias revisionais, os resultados da robótica têm sido superiores à laparoscopia.
Como é o pré-operatório?
Para o sucesso do tratamento em longo prazo, o paciente bariátrico precisa estar preparado e motivado para realizar uma mudança global em seu estilo de vida. É o chamado novo “PROJETO DE VIDA”. Essa abordagem deve ser feita por uma equipe multiprofissional e deve ser iniciada bem antes da operação. Por meio do acompanhamento com endocrinologista, nutricionista e psicólogo (e outros profissionais, se necessário), deve-se tentar identificar as causas e fatores mantenedores da obesidade e tentar corrigi-los antes de se programar qualquer procedimento cirúrgico.
O preparo no período pré-operatório é fundamental para se ter bons resultados. É a oportunidade para detectar e “compensar” problemas de saúde associados à obesidade. Além disso, o paciente deve ser estimulado a perder peso, de forma a reduzir os riscos da operação.
O acompanhamento psicológico tem como objetivo diagnosticar e tratar as ansiedades e compulsões e servir de alicerce para as modificações no dia a dia, aumentando a adesão ao tratamento em geral. Também ajuda a preparar o paciente para as grandes mudanças que virão com a perda de peso progressiva.
A abordagem nutricional visa a iniciar mudanças no cardápio, ensinado escolhas mais saudáveis, que devem ser mantidas no futuro. O paciente também precisa ser reeducado quanto ao hábito de mastigação e horários das refeições. Além disso, o nutricionista precisa orienta-lo sobre a progressão de sua dieta após a cirurgia, para que esse processo seja feito da forma correta.
O estímulo às atividades físicas deve fazer parte desse preparo, preferencialmente com auxílio de educador físico, respeitando-se as limitações físicas de cada paciente.
Um pré-operatório bem feito diminui os riscos da operação e facilita a adaptação do paciente no período pós-operatório.
E como é o pós-operatório?
Nesse período, o paciente deve colocar em prática todas as orientações previamente fornecidas pela equipe multidisciplinar. A progressão da dieta é feita de forma lenta e individual, de líquidos coados em pequenas porções até a alimentação de consistência normal. Quando o paciente já consegue ingerir alimentos mais consistentes geralmente é iniciado suplemento vitamínico.
Nas primeiras semanas deve manter todos os cuidados para prevenção de tromboembolismo pulmonar.
As atividades físicas devem ser retomadas gradualmente, conforme orientação da equipe cirúrgica. Além disso, o paciente precisa fazer consultas e exames laboratoriais periódicos, conforme o tipo de cirurgia e as rotinas estabelecidas pela equipe responsável. Na presença de comorbidades, o paciente deve ser acompanhado por profissionais especialistas. O acompanhamento com a equipe multidisciplinar – endocrinologia, nutrição e psicologia – é essencial para otimizar e manter os benefícios alcançados e sedimentar as mudanças nos hábitos de vida.