O milagre da vida
Quando vemos uma criança nascendo, sendo amamentada ou apenas dormindo no colo dos pais, não imaginamos o quanto é difícil chegar a esses momentos. É verdade quando um casal mantém relação sexual no período fértil, apenas 18% vão conseguir uma gravidez. Além do mais, sabemos que cerca de 20% dessas gestações terminarão em abortamento, o que faz com que as crianças que nasçam sejam consideradas verdadeiras campeãs.
Esse “processo seletivo” inicia-se antes mesmo da concepção, isto é, da fertilização do óvulo pelo espermatozoide. Durante o ato sexual, não importando a posição, aproximadamente 2/3 do líquido seminal sairá pela vagina. Somente o restante do líquido contendo os espermatozoides móveis candidatos a fertilizar o óvulo liberado pelo ovário alcançarão a cavidade endometrial,parte interna do útero. Até aí tudo bem. Como temos milhões de espermatozoides, ainda que percamos muitos nesse processo, restariam muitos ainda. Só que os espermatozóides medem cerca de 5 micrômetros (aproximadamente 200 vezes menos que 1 milímetro) e têm que passar pela cavidade endometrial (que mede aproximadamente de 10 a 15 cm de comprimento) e trompas uterinas (também com cerca de 10 a 15 cm). Uma mega maratona que afortunadamente, a natureza dá uma ajudinha.
Existe no líquido seminal uma substância chamada prostaglandina. Ela provoca contrações uterinas que, por sua vez, fazem com que surja uma pressão negativa dentro do útero, facilitando a passagem dos espermatozoides. Por estímulo do estrogênio, hormônio presente em altas concentrações em momentos antes da ovulação, pequenos cílios presentes dentro da trompa começam a realizar um movimento coordenado que impulsiona os espermatozoides e o líquido existente dentro dela em direção à sua porção mais próxima do ovário, onde, após a ovulação, repousará o óvulo. Outro detalhe importante é que o estrogênio também faz com que esse líquido da trompa tenha uma composição rica para os espermatozóides. Dessa forma, eles recebem não só um “empurrãozinho”, mas também são nutridos e “energizados”.
Ocorrida a ovulação, o óvulo é captado pela trompa e surge um novo estímulo hormonal, a progesterona. Ela atuará não somente no endométrio, camada interna do útero onde ocorrerá a fixação do embrião e o posterior desenvolvimento da gestação, mas também na trompa, alterando o movimento dos cílios em direção ao útero e fazendo com que o embrião formado seja conduzido à cavidade uterina. O líquido da trompa torna-se rico para o embrião, sendo responsável pela sua nutrição e fonte de energia, o que garante seu desenvolvimento. Esse percurso tardará cinco dias, tempo suficiente para que o embrião termine seu desenvolvimento até o estágio de blastocisto, fase na qual ele adquire a capacidade de se fixar ao endométrio.
“Não sabia que era assim”, “isto é lindo”. Essas são as frases que mais escuto no consultório quando explico o processo de fertilização do óvulo e implantação (ou fixação) do embrião ao endométrio. É verdade. É uma processo fantástico, apaixonante, que ainda não temos total conhecimento sobre ele.
Mas calma, ainda não acabou a aventura do nosso “pequeno campeão”. Estamos apenas no meio. Depois de formado, o embrião necessitará fixar-se ao endométrio, processo chamado de implantação embrionária. Para isso, uma “guerra” será travada. Em todas as partes do nosso corpo, existe um conjunto de células que nos defende de organismos agressores – chamado de sistema imunológico. Quando um embrião vai se fixar ao endométrio, é como se células estranhas ao corpo materno estivessem provocando uma invasão, sendo considerado um agressor em potencial. Assim, o sistema imunológico começa um processo de ataque às células embrionárias. Por sua vez, o embrião passa a se defender produzindo uma série de substâncias químicas que tentarão frear esta agressão. Se isso acontecer do modo correto, a gestação se iniciará.
Ao acompanhar tudo isso, acredito que fica mais fácil de entendermos a razão pela qual o tema mistura fé, ciência, religião (no sentido de crer que algo maior esteja acontecendo) e conhecimento. Eu acredito que na origem da vida, fé, oração, religião, ciência, conhecimento e lógica, sejam fatos que não devem se confrontar ou competir, mas caminhar juntos. Por isso, creio no “milagre da vida”, momento enigmático que tentamos decifrar e conhecer melhor, na tentativa de poder ajudar casais que anseiam ter filhos, mas que, por algum motivo, não conseguem.
Dr. Marco Melo,
diretor científico da Clínica Vilara